segunda-feira, 28 de setembro de 2009

HIP HOP MULHER....

Só para dizer que eu não avisei...


Les Nubians no Brasil > São Paulo > para ficar melhor ainda, com preço popular...no Sesc Pinheiros dias 06 e 07 de out.....to avisando.....só não vai dizer que eu não avisei...risos..



Fonte: http://www.sescsp.org.br/sesc/programa_new/mostra_detalhe.cfm?programacao_id=159621

domingo, 27 de setembro de 2009

Flete Farto - De Akins Kinte e Nina Silva


Ele assim me paquera, não encolho
Quer me ter e já me come com os olhos

ao invés de me chamar pro desenrolo
insiste em me despir a distancia

nas ilhas de teus olhos viajo, não nego
e do nego sinto a pele, o cheiro, o calor
suas mãos escurrega...

para dentro de minha saia
Não sai, ensaia
Como vai ser o ato
De fato
vejo meu corpo na Menina de seus olhos
enquanto eu Menina sente o corpo incendiar

nessa hora o pudor já caiu fora
só o que resta é o momento, o agora
embora não passe de um Simples olhar

se eu pudesse ao menos sentir o seu toque
saberia da cadência que bate aqui dentro

afogaria no fogo de meu eu em chamas
eu dada, entregue, dei meu corpo de mulher
ele me caça no olhar, me persegue me quer

como bicho no cio me deseja
sinto o aroma do gozo em meus seios
fico tensa só de imaginar, devaneios

o peso de seu corpo pesa mais que sua presença
me imprensa
contra o leito do desejo
minhas costas tocam o chão enquanto me toca
enquanto minha cabeça Vai aos céus e Você nem nota

já sou sua
ja estou nua
me possua ...

volto a mim e você não mais me olha
o olhar que preenchia ainda agora
foi-se embora

Nina Silva
Akins Kinte



Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/autor_textos.php?id=2431

Onde nadam os peixes encantados..

Por Ana Maria Gonçalves...autora do livro Um defeito de Cor.






(primeiro capítulo de Ao lado e à margem do que sentes por mim)



Aos dois anos de idade soltei a mão de minha mãe e atirei-me ao lago. Se puxasse um pouco pela memória talvez soubesse precisar uma data, uma referência de mês ou estação do ano, mas não me convém. Importa-me muito mais o ato, talvez o meu primeiro ato de libertação. Ou então, aquele que me prendeu definitivamente o destino ao destino das águas, na feitura de lagos maiores, de rios e, finalmente, de mares.

Durante anos esta história esteve esquecida, guardada em algum canto esperando seu lugar no fluxo das memórias que, não sendo recorrentes, são especiais. Fazem parte daquele tipo de lembrança que pode esmaecer e até perder todas as cores; mas basta um leve pousar de olhos sobre um fragmento, um cheiro captado no vôo de um vento vindo de longe, um gosto antigo salivando na boca, e ela, a tal memória, revive. E me preenche de tal maneira como se nunca tivesse me abandonado, como se não fosse tempo passado, como se estivesse sempre acabando de acontecer.

É esta a sensação que me acomete agora, trinta anos depois, de frente para este mar: a de nunca ter tirado os pés de dentro da água do lago para o qual me atirei aos dois anos de idade, aproveitando o único momento de descuido de minha mãe.

Estive quase toda a manhã pensando em como as coisas importantes que nos acontecem dependem apenas de um derradeiro segundo, nem mais nem menos. É como se a vida inteira fosse se acumulando naquele exíguo espaço de existência temporal, equilibrando-se perigosamente às margens de um precipício, à espera de uma atitude corajosa ou de um elemento desencadeador, para então se resolver inteira. Ela, a vida, anseia pelo nosso momento de descuido para acontecer simplesmente, sem as amarras e os cuidados com que a mantemos em permanente vigilância.

Seja sob as bênçãos daquele deus que, mesmo quando não invocado, está sempre ao serviço dos loucos, dos apaixonados e das crianças. Ou sob as asas negras do anjo dos arrependimentos. E no meio da vida, no meio do salto, da fuga ou da corrida desenfreada, de um lado e do outro do precipício, estamos nós, a quem raramente é permitido saber com antecipação quem ou o quê nos rege.

Se o nosso próximo instante será fruto de agir ou de sofrer uma ação: a vida é sempre um passo certo ou um golpe do destino, quase não há meio termo. É nisto que penso enquanto o sol a pino projeta minha imagem vertical na areia quente e me traz de volta a miragem do lago.

Quando criança, não sei quantas vezes pedi que me contassem a história do lago. Na verdade todos o chamavam de prainha, Prainha do Niterói, a centenas de quilômetros do mar e formada por um braço do Rio Misericórdia, onde há muito tempo funcionou a draga de João Daiara.

Ibiá era apenas um vilarejo, lugar de passagem e de pouso para os tropeiros que, em ruidosas comitivas, serpenteavam centenas de quilômetros entre as montanhas de Minas Gerais, transportando o gado para as regiões de abate mais ao sul do país. No amontoado de casinhas de pau-a-pique eles alugavam redes para uma noite de maior conforto, conseguiam uma tina de água para um banho quente, faziam uma refeição mais reforçada, cuidavam do gado doente ou cansado e planejavam o restante da viagem. Aos poucos, um e outro tropeiro se desgarrava e ficava por ali, onde tudo ainda estava por fazer, e acabaram surgindo as moradias e as vendinhas com as mercadorias a granel: arroz, feijão, café, milho, farinha, carne salgada, fumo de corda, cachaça.

Ainda menina de sete ou oito anos, depois de ouvir esta história da boca de minha mãe, meu pai, de tios ou avós, eu me transportava em pensamento para a beira do rio. Ao redor de duas ou três fogueiras, acocorados sobre os calcanhares, os tropeiros conversavam e tocavam violão, com as vozes ruidosas ensandecidas pelo brilho da lua cheia e pelos goles de cachaça.

Já eram bastante familiares as figuras que minha imaginação ia tecendo inspirada pelas histórias que contavam sobre paragens distantes, lugares de onde tinham vindo ou para onde estavam indo. Mas para que eu não os ouvisse direito sussurravam sobre mulheres, queixando saudades, dores de amor, tristezas e alegrias equilibradas na corda tesa da viola. Suas canções quase sempre lamentavam os companheiros mortos durante as viagens, os amores abandonados ou impossíveis, as paixões comprometidas, os encontros furtivos. O tipo de amor que pode enlouquecer um homem solitário, como João Daiara.

Antes o chamavam de João da Draga, por causa do maquinário que montara no distante rancho do Niterói. Ele aspirava o leito do rio e abastecia de areia as construções erguidas no vilarejo, que crescia seguindo os tortuosos avanços do Rio Misericórdia. Naquele tempo, a Prainha não passava de um local onde o rio se alargava um pouco mais e tinha em sua margem a areia ruim de vender, quase um cascalho que não seria aproveitado antes de muito bem peneirado e escolhido. Até o dia em que João enlouqueceu:

- É da Iara! É da Iara!

A grande máquina trabalhava dia e noite, cuspindo dunas que João Daiara espalhava incansavelmente pelas margens do rio, negando-se a vender um único grão de areia sequer e vigiando para que ninguém os tocasse. A draga cavou a lenda de um lago sem fundo, onde João Daiara ainda vive depois de ter sido enfeitiçado pela iara que, numa noite de lua cheia, viu surgir no meio do rio e pedir uma praia para descansar. Durante muito tempo depois que João Daiara desapareceu sem deixar vestígios, a draga funcionou sozinha. Desordenada e autoritária, dividiu o rio Misericórdia, que seguiu novo curso bandeando-se para o outro lado, formando uma nova margem bem no meio e deixando do lado de cá, o lago. Hoje, o curso desviado do Misericórdia e a Prainha apenas se unem nas grandes enchentes. No resto dos dias ficam para sempre separados pela ilhota, coberta de densa vegetação.

Muito antes daquele meu primeiro contato com o lago, ele já tinha perdido um pouco de sua memória mágica, e quase não se falava da história de João e sua Iara. Tornara-se um local de lazer onde, aos domingos, famílias faziam piquenique e crianças construíam castelos na areia, sempre advertidas de que deveriam se manter fora do lago sem fundo. Lá viveria um monstro, uma maldição que endoidecia quem se atrevesse a entrar nas águas. E aquele pedaço de rio foi ficando esquecido, abandonado, nem mesmo servindo de cenário para os moleques que procuravam os lugares de nadar escondido. Era calmo demais.

Não me lembro de terem voltado comigo ao lago. Talvez minha mãe tenha preferido não se arriscar a mais um momento de distração e povoado meu universo infantil com novas descobertas. Aos domingos, depois do almoço, quando toda a família se reunia na casa de minha avó, eu me dedicava às incursões pelo enorme quintal. A casa lá na frente do terreno, os primos e as outras crianças entretidos com brincadeiras que nem sempre me interessavam. A tarde preguiçosa escorrendo por entre as folhas das parreiras transformadas em caramanchão, onde os adultos conversavam. Eu fugia para os meus cantos preferidos, para brincar sozinha ou com amigos invisíveis. “Menina estranha”, às vezes diziam, mas me deixavam ficar pelo quintal, observando a atrapalhação de patos e galinhas, o cachorro cavando a sombra, o vai-e-vem das roseiras nas costas das formigas. De companhia eu tinha o murmurejar de águas, doce, constante, monótono, o Misericórdia correndo tranqüilo e me chamando para o outro lado da cerca.

Durante alguns dias eu apenas o observei, através de uma janela que abri por entre folhagens que recobriam a cerca de arame já bastante enferrujado. As águas barrentas carregavam restos de chuva de algum lugar mais acima, instigando-me a saber de onde vinham e para onde iam. Às vezes eu mesma jogava um pedaço de madeira, uma flor, uma ramada de árvore que não afundasse, e corria paralela à cerca até o limite com o quintal vizinho. Apostando comigo mesma, queria saber se o objeto seguiria rio abaixo ou sumiria nas águas, dragado pelo miolo de de seu próprio redemoinho.

Um dia, atravessei a cerca. Do lado de lá o rio era ainda mais fascinante, um grande animal a rastejar, poderoso, soberano, arrastando consigo tudo que tentava atrapalhar a caminhada. Fui perdendo o medo e seguindo-o até cada vez mais longe, pela estreita trilha formada entre uma extensa fileira de bambus e o solo úmido e musgoso da sua margem; a qualquer hora do dia, sempre à sombra. O caminho à frente se fechava, obrigando-me a entrar em meio ao bambuzal, sentindo que me afastava do rio. Pensei em voltar, com medo de me perder, mas ainda podia ouvi-lo seguindo um pouco mais adiante. Olhando através de uma pequena abertura entre os bambus, eu o vi. O lago, exatamente como eu me lembrava dele naquela tarde em que, no colo de minha mãe, eu o olhava por sobre os ombros dela. Ela se afastando em passos largos e nervosos do único lugar onde eu queria ter estado até então.

Não havia mais sinal de pic-nics, nem de castelos de areia, nem das conversas em domingos de sol. Apenas o completo abandono de um amontoado de histórias, lembranças, passagens e pessoas. Um lugar antigo, longe de ser bonito. A areia grossa e clara coberta por uma vegetação rasteira que havia muito tempo não experimentava passos, apesar de ainda estar impregnada de pegadas. É claro que na época eu não tive esta percepção, e acredito que meu fascínio foi pela vida por acontecer, a lentidão, a espera, os vazios, as descobertas possíveis. A prontidão com que aquele lugar obedecia ao meu comando de brincar de "-Estátua!". E paralisávamos os dois a nos observar, ele se fazendo presente nos espaçados estalares de gravetos, no vôo enlouquecido dos insetos. Na timidez com que o sol espreitava por entre a densa folhagem, fazendo daquele um lugar perfeito para minha existência de menina estranha.

Representávamos muito bem nosso papel, eu e aquela estática natureza, às vezes por horas seguidas debruçadas uma sobre a outra. Eu e as árvores mirando o lago parado e ele nos espelhando de volta. Um eco do nada, uma antecipação de algo importante que estava para acontecer e que íamos adiando. Às vezes por puro medo de não saber o quê, ou por querer prolongar a sensação de anti-clímax frente a uma revelação grandiosa, que seria só nossa. Um segredo terrível que nos libertaria para sempre da condição de diferentes, do estranhamento a que estávamos tão acostumados.

Pequenos fragmentos de vida às vezes vinham à tona. Minúsculos peixes e anfíbios que nadavam pela margem, esperando que um fruto se despregasse das árvores e afundasse nas águas, com o peso e o estardalhaço de mil toneladas. O choque deslocando gotas que saltavam no ar e caíam de volta na lisa superfície do lago, liberando ondas que se propagavam e deformavam as sombras das árvores ali descansadas. Os troncos eram transformados em membros tremulantes e amorfos, e os insetos levantavam vôo assustados, e o vento parecia soprar triste chorando entre o bambuzal. Durante alguns segundos eu tinha medo, muito medo de que os segredos que habitavam o fundo daquele lago se libertassem, aproveitando um momento de descuido da natureza.

Eu sentia um misto de temor e desejo de que o lago se desencantasse, e em alguns dias isto era quase iminente. Quando pesava no ar um misterioso prenúncio de alegria, eu me inquietava achando que o momento fosse se precipitar. Era evidente que bastava um simples desequilíbrio, um encontro fortuito, uma mínima borboleta que destoasse do tom de quase luto fechado do ambiente, e a mágica aconteceria. Primeiro, abrindo as densas folhagens e esparramando no espelho calmo e límpido do lago, o céu azul e a verde nudez da vegetação. Depois, soprando uma brisa suave que levava embora o mofo das paragens e tocava flautas pelo bambuzal, acordando pios, trinados, chilreios e assobios. Trazendo de volta uma ruidosa revoada de pássaros, que disputariam espaço com zumbidos e sussurros de milhares de insetos de asas delicadas e coloridas. E os raios de sol batendo no lago e se projetando em troncos antiqüíssimos, escondendo-se por entre as rugas de jequitibás, ingazeiros, ipês e jatobás. Desalojando trepadeiras, bromélias e orquídeas de todas as cores e formas. Pelo chão haveriam de se espalhar leguminosas, e samambaias chorariam pelos barrancos em meio a juncos, desalojando joaninhas, saúvas, grilos, minhocas e centopéias. Uma confusão de cores, um misturado de formas, um excesso de vida, um aumento exagerado de cheiros. E o lago, se já estivesse pronto, sairia de seu estado de contemplação. Bastava isto. Só isto: um breve encontro, um instante em que ele se visse refletido nas asas de uma borboleta.

Pois então, lembra do que te falei lá no início? Sobre a vida ir se acumulando inteirinha nas margens de um precipício, esperando a hora de acontecer? E sobre estar ainda hoje, aqui, com a mesma sensação que tive ao molhar pela primeira vez os pés no lago? E sobre como eu acho que de lá nunca os tirei? E das histórias antigas que fazem do viver uma constante preparação para a história derradeira? É porque eu sinto que é você e precisava te contar de mim.

Sim, hoje esta sou eu:

- Muito prazer, o lago!
Fonte: http://anamariagoncalves.blogspot.com/2006/02/confisso-26.html

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Molecote Matuto - Akins kinte

Este video foi filmado por Elizandra Souza, em uma apresentação do Patota de Firmino no CCJ. Akins Kinte, meu parceiro de todas as horas.Para quem não conhece um sonhador, este menino tem estrelas nas palavras, carrega o segredo no céu da boca, os pés pisa em nuvens e o coração cadencia um bom samba..o futebol de varzea é a trilha que segue seus ouvidos...Um dia te escrevo, meu melhor poema!!!

Conhecimento é a fonte para traçarmos novos rumos...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

DOLORES DE MININA - ELIS REGINA

Reprodução



Dolores...melanina minina...


aPRENHeensiva
a-prendida na faxina
...arrependida...
Aplaudia


à pau


o dia
di cagada...


melada uterina

I.. sem chão


nem asa
sem caxão


nem casa
c'um comichão


e náusea...
o ventre si arriba
e invadi o peito em cólica
na purgação do purgatório

Di istorá as bolha lacrimejêra
É mar na praia das olhêra
Chuva nas oreia das conselhêra...


E com pé-de-breque e freio-de-mão
No silêncio de uma poça sem água
ingole...


e sem gorfá
um bolo di fisgada
i vê...


sem podê incará
cachuerá


coxa abacho
......morto....


no aborto......
Pingumano gotegente


...i...é só....mais uma pisa da vida
em surdina
de Dolores...melanina minina...


Autora: Elis Regina F. Vale
Poeta, estudante de pedagogia, trabalha com o ensino público de São Paulo.

Publicado na Antologia Negrafias - Literatura e Identidade, 2008, Ciclo Contínuo.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

CHAMADO - ELIZANDRA SOUZA


Ouço vozes aqui dentro

Vozearia, gritaria

Identidade diversas

O avesso do meu eu

Colcha de retalho do nós

Ancestralidade clama

Para acendermos a chama


Elizandra Souza - Publicado na Antologia Sarau Elo da Corrente,Elo da Corrente Edições, 2008.

sábado, 12 de setembro de 2009

ENCOSTA NORTE

Blusa branca, bermuda bege e chinelo
Em vossos olhares, vejo nosso elo
O sorriso esconde a amargura
Dividimos amor e loucura

Aprendi que ser simples é sabedoria
Entrei sem algemas, por meio da poesia
Na leitura do texto, o bocejo
Penso o que deu errado, re-vejo

Agradecida pelo respeito
Nem silencio nem grito
Apresento nos livros uma nova estrada
Como refúgio na caminhada

Sonho também com liberdades
Perspectiva de futuro nos corredores das universidades
Poesias que pulsam mesmo trancafiadas
Literatura de línguas afiadas

ELIZANDRA BATISTA DE SOUZA

* Poema dedicado aos adolescentes em conflito com a lei da Unidade Encosta Norte - Fundação Casa, que participam da Oficina de Literatura do poeta Akins Kinte.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Pessoas que não devem ser esquecidas no Hip Hop...



Esta letra do Emicida para o Dj Primo, me remete saudades de pessoas que fizeram a história do Hip Hop Brasileiro, como Preto Jota, Preto Ghoez, Sabotagem, entre outros...


Aí... cê já perdeu um camarada?
Já te deu vontade de quando ver Deus dizer, "Nessa cê
deu mancada"?
Refletir na solidão da madrugada
Com a incapacidade de entender a parada
Vagar pela calçada sem saber
Ter em repeat uma questão na mente, por quê?
Olhar pro céu sem ver beleza no luar
Respirar fundo na direta e o aperto no peito
continuar...
Vontade de rezar sem ter religião
Maldade é arrancar sem pedir permissão
Como gansos em prontidão, no front dão xingo e tapão
Um monte, jão, que deve? Não, responde e era, então
A história se repete irmão, pontos finais na nossa
ação
Motivos pra lembrar, qual o motivo e razão da missão?
Porra! Elevar é foda né não?
Minha cota vai ser fazer valer, mandar pro cê na
sincera intenção


Sabotagem

Você pediu, não deu tempo de entregar
Eu aprendi que a gente deve TUDO, menos esperar
Se der pra ouvir, peço, hey DJ, toca aquela lá!
Que dessa vez a gente vai sentir sem escutar
Em cada instante, as rimas não é o bastante
O que tampa o buraco da falta que fez quem tava antes
E o pior é que ele não vai voltar
Só em lembrança, quando pegar a caneta eu vou honrar,
pois...


Preto Jota

Essa é pra você primo...

Penso, talvez citar não seja necessário
O fato de que já fui a mais velórios que a
aniversários
De que os melhores realmente vão
De que a Terra não é lugar pra quem tem bondade no
coração
Às vezes é difícil acreditar
Não tem palavra que possa confortar
Não tem peito que possa comportar
Vejo como se fosse um rolê e do nada cê fosse
voltar...
Fico feliz, tio, de lembrar que nóis sorriu da última
vez
Porra, hoje faz mais de um mês...
É complicado e em cada vez que eu me lembro
Minhas manhãs se tornam sós num novo 11 de setembro
Menino bom, sonhador, dedicado, de valor
Inspiração pros que tão na de riscar, de compor
De dançar, de expor, se entregar pro que for
Pra lutar sem temor, sem lucrar, por amor
Viu agora como o bagulho é sério?
Que nóis é mais que tênis colorido e batida no
estéreo
Tá além de qualquer interesse
Quando cê for dizer que dá a vida por isso, pensa nuns
casos desse...

É pra você primo,
Essa é pra você primo...

Por incrível que pareça
Nóis cada vez menos se acostuma, não importa o quanto
aconteça
Meus prantos são louvores que exaltam amores
Pra diminuir nos meus, um tanto de suas dores




Preto Ghoez

Então vive cada momento como o final
O amanhã é tarde pra nóis, pensa nisso, na moral
Na intenção de ser melhor, ser maior, se encontrar
Eu acredito que o motivo de nóis vir seja voltar
No meio dos dream, em vão eu tento
Mostrar pros caras, a única coisa que nóis tem é o
tempo
Valoriza a partida, a chegada, a volta e a ida
Os scratches, as batidas, cada dia é uma vida
E dela, pra se levar, só a paz da certeza
De ter feito o que tinha de se fazer, firmeza, firmão
Em cada sessão será sentida
A falta do primo que era irmão, a história não será
esquecida
Minha cara é encerrar a transmissão, com aperto no
coração
Sem saber o que dizer mesmo irmão...
Olhando como um retrato, uma recordação
Então a gente vai continuar
Pra mim é a melhor forma de te respeitar
Firmão família, obrigado por me escutar
No meio de tanta coisa eu tinha que falar, que

É pra você primo.

Balada do Amor


* Por Carlos Marighella

Eu canto o amor por exaltar a vida,
a liberdade, a humanidade e o belo.

Mas que o amor seja como a natureza
simples, real e nunca fantasia.
E que eu possa viver amando sempre,
iluminado pelo teu amor
resplandecente como a luz do dia.

Eu canto o amor por exaltar a vida.


*Texto retirado do livro Rondó de liberdade, Carlos Marighella, Editora Brasiliense, 1994. Mas o texto provavelmente é dos anos 1959 a 1966.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O vento


* Por Lande Onawale

disperso-me por aí
feito brisa
depois me rejunto e chego como ventania
varro a casa
derrubo coisas
safadamente
devasso a monotonia

talvez eu seja um vento mau
talvez injusto
para quem tinha olhos postos no horizonte
a procurar por mim

não me desespero
e não quero
ser feliz de outro jeito.


* Poema extraido do livro O Vento, Lande Onawale,Salvador, 2003, Edição do Autor.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sentimentos, visões e Invenções...

Foto: Elizandra Souza

* Por Pedro Gomes

As mães azuis. Professoras verdes claro. Amigos são amarelos ou marrons.
Decepção é cinza. Pai é preto e branco. Amor é um dourado caramelizado com flocos de chocolate.
Aqui, em minha caixa de fósforo ou mundinho de fogo, cabem todos os lápis-de-cor, mas o colorido perde a graça quando abro os olhos. O engraçado é que olhos fechados para sempre assustam.

* Texto retirado do livro Rabiscos sobre certezas em constantes metamorfose. Pedro Gomes, 2007, Edição do Autor.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Literatura Erótica: Escrita da Mulher Negra




Click - Elisa Lucinda

Lira tinha um namorado discreto e recente pra quem ligaria depois da pales­tra. Cientista, socióloga e pesquisadora das culturas das comunidades ditas pri­mitivas, a brasileira Lira morava na Espanha e ligaria para o tal namoradinho que tinha conhecido num almoço em outra palestra. Ligaria depois do discurso, de­pois do decurso, depois do curso das coisas.

Click. Um fotógrafo no corredor da Universidade pesca o estilo dela. Vai olhando o linho bordado do colete, a seda fina do vestido pérola que lhe supu­nha as curvas, as botas, italianas com certeza. Olhos de esfinge tinha a Lira. O lince olhar dele invade seu movimento como um gesto, que é o que o olhar é. Ela percebe. Toma um café. Pega um cigarro na cigarrilha madrilena de prata, de cigana mesmo, e tenta quebrar sua impostada formalidade, pedindo a ele, justo a ele, o fogo.

— Eu vim pra te fotografar, Doutora Maria Lira. Não vim pra acender-lhe os cigarros, em todo caso...

— Obrigada, de qualquer modo. Não sou fotogênica, não fico a vontade diante de câmeras, diante de filmes. Considero mesmo um purgatório passar por eles. E tem mais, eu confesso, fico sempre nervosa antes de falar... Assim que terminar vou ligar pro meu namorado..., senhor...

— Romano. Meu nome é Romano. Romano Calô.

— Calau? É francês?

— Não.

— É do verbo calar, passado, calou?

— Talvez. A gente sempre vira passado. E Lira, vem de onde?

— Meu pai é poeta, músico, me deu esse nome. Os mestrados podaram muito meu pai. Lesaram sua música... sua lira.

— Não tenha o mesmo destino que a lira de seu pai, senhora.

Lira ouve seu nome ser anunciado. Pessoas muitas se dirigem ao auditório. Treme a Lira. Ela e toda sua partitura. Encarna a dama e vai. Lotado.

— Minha experiência com comunidades, tribos e suas crenças, artes, diale­tos, tem mudado minha vida. E é por isso que sou cientista. Sou mais cientista na hora em que procuro do que na hora em que acho. Não o sou pelo que encontro, mas pela busca, pelo que procuro incessantemente. A cada dia venho aprenden­do a lidar com preconceitos daninhos, mesquinhos, que eu pensava estarem há tempo absolvidos, resolvidos pela depuração que a intelectualidade deve provo­car. Engano meu. As comunidades ditas primitivas encaram suas pulsações com... (Click). Lira sente na veia o click dele e se refaz na sutileza... Com respeito por si. Eu ia dizendo que o desejo, a criação e tudo o que é genuinamente da qualidade humana, é precisamente o Deus dessas organizações. (Click).

Só ela ouvia o click profundo de Romano como quem recebe um raio, uma seta. Sentia palpitações inoportunas no meio de si e da palestra. Embora houvesse jornalistas e diversas câmeras ali, só o click dele era o trovão, o vão, o infortúnio.

Click dela bebendo água e pausando a fala; click dela tentando acender o cigarro e desistindo em seguida; click dela engolindo com dificuldade a pouca saliva.

— Numa comunidade do norte da África, por exemplo, houve um momento em que achei errado, equivocado não comermos com as mãos. Todos comiam assim ali. Eu também comi. Achei tão confortável, tão direto, tão íntimo que comecei a achar subitamente falso, hipócrita o uso de talheres. Nós também somos caçadores. A dife­rença é que temos capangas e os mandamos matar, embalar e até temperar essa caça. Isso é o nosso almoço e tudo vira um civilizado crime de supermercados. Risos da platéia. Mas somos caçadores. E sórdidos. Comemos com garfos para ficarmos mais distantes do crime... bem não estou com isso dizendo que a partir de agora só devemos comer com a mão nossa presa. Engole a saliva e ele click. Aplausos.

Ela se sente meio tonta e senta-se um pouco. Revê anotações no roteiro e levanta outra vez ajeitando com elegância o vestido de seda marfim atrás, cuja costura havia ficado presa no vale das ancas. Click na mão dela.

— Vi uma inscrição linda numa tabuleta em uma floresta no Zaire: “Enquanto os leões não tiverem os seus próprios historiadores, a história continuará sendo uma versão dos caçadores”. Aplausos fortes e entusiasmados. Alguma pergunta? Click.

— Gosta de ser negra, linda senhora? da platéia, pergunta o fotógrafo.

— Obrigada pelo linda. “Adoro” essa e minha resposta, Romano.

— Romano?... Como sabe o meu nome?

— O senhor me disse agora mesmo no corredor.

— Só se for “O Senhor”, porque eu não lhe disse nada, comecei a trabalhar agora. (Click)

Risos discretos da platéia. Lira fica tensa, mas retoma ferina e elegante:

— Em algumas áreas do interior de Soweto, por exemplo, a fotografia é con­siderada um perigo, uma... como é que eu digo?... uma ladra de almas. Nessas tribos, nossa equipe não teve permissão de realizar qualquer registro fotográfico. Pode nos parecer uma perda lamentável como pesquisadores, mas pesquisar não pode significar invasão, intrometimento, desrespeito. Aplausos.

— Creio não existir critério de melhor ou pior quando o assunto é cultura; para isso precisaríamos cometer a insensatez de elegermos alguma, fatalmente em detrimento de uma outra. Não existe regra fixa ou predeterminada em se tratando da versão que cada grupo humano dá ao Universo. Universo: unir as versões.

Chuva de aplausos. Tem gente de pé. Click, click, click. Lira agradece e está totalmente mexida pelos takes que ele pega dela. Mas não podia pensar nisso: quando se está num palco tem-se que encostar num canto as emoções pessoais de modo que adormeçam. Mas no fundo ela sabe que essas emoções se filtram e acabam por se infiltrarem interferindo no ritmo, na temperatura, no tom do tema. Bebe mais água. Click.

Por que ele gosta tanto de me fotografar bebendo água? Click. Meu Deus, acho que eu devia ter vindo com o vestido verde, iria fotografar melhor, pensa.

Lira prossegue com bravura por mais um quarto de hora no debate. Auto­grafa alguns livros, levanta-se e finaliza:

— Meu desejo é que vocês possam aprender como venho aprendendo a deli­cadeza necessária para se andar no mundo: cada casa, cada bairro, cada fave­la, cada palácio é um mundo; quanto mais delicado e simples e receptivo e generoso for o forasteiro, mais de casa ele se torna, mais de casa ele é. Gosto de voltar ao Brasil e estou emocionada por estar aqui. Em casa.

Lira se emociona. Aplausos esfuziantes, abraços. Click.

Começa o coquetel. Muita gente, eu não agüentava mais o olhar dele, sua teleobjetiva, seu carnaval, seu carrossel de misteriosas e óbvias intenções. Meu Deus, só me faltava essa. O pior é que não tenho a mínima vontade de ligar para o tal namorado novo... Meu Deus como Romano me olha!

O garçom veio trazer o champanhe e um bilhete: “Assim que chegar a hora da revelação, lhe enviarei o que consegui roubar de ti”.

Não consegui mais pegar o copo com naturalidade. Tremia muito e nunca fui de tremer. Tive vontade de pedir uma vodca, mas nessa hora um aluno me pede pra autografar um livro onde conto o que acabei de descrever na palestra; era um jovem entusiasta que falava muito e eu não o escuto, me limito a concor­dar enquanto tento ricochetear o olhar de Romano lá da outra mesa.

Bebi o champanhe com sede e ansiedade e fez um pouco de efeito. O suficiente para eu sentir o apertado das novas botas e resolver tirá-las sorrateíra­mente por debaixo da mesa. Toca uma salsa. Algumas meninas e meninos dan­çam descalços na pista. Também vou. Que calor. Descalça e moderna dancei meia hora, eu acho, sem parar. Fazia tempo.

Relaxei, mas perdi meu fotógrafo de vista. Melhor. Precisava telefonar. Cal­çando as botas, notei um papel dentro de um pé, quando voltei à mesa. Não é que era outro bilhete?

“Não vá embora, não telefone pra ele, não me deixe; não nos deixe como se fôssemos tribos menores, até porque, somos tribos menores. Quero estar no seu passo. Boteco 13, à esquerda dessa mesma rua, ao lado do auditório.”

Bebi o resto da bebida já meio quente e saí meio louca. “Doutora Lira...” Já volto, eu dizia entre os afoitos estudantes. Perturbada, mas decidida: nem o telefo­nema, nem essa loucura, vou é para o hotel. Chovia fino; tirei o colete, queria sentir a chuva, queria me acalmar. Na esquina, à esquerda, esperei um táxi. Um táxi que me salvasse. Táxi! Táxi! Ele parou. Eu sentia que estava na frente do tal boteco e que minhas costas davam direto no olhar dele. Sentia Romano me estudando o decote, sentia que seu olhar me queimava o dorso e entrava demoníaco em minha nuca. E o motorista: A senhora vai pra onde? Pra lugar nenhum. Respondi sem pensar.

— Mas como pra lugar nenhum? Tá me achando com cara de otário, ô meu? Quem vê uma mulher bem vestida assim, bom tecido, com jeito de estudada, não vai pensar que vai tratar a gente de palhaço... vai procurar um trabalho, vagabunda!

Fiquei pasma e ele tinha razão. Me aproximei da janela do carro:

— Desculpe, vim fazer uma palestra, não conheço bem a cidade, na hora que o senhor me perguntou...

— Ah, vai caçar um homem, vai! E acelerou.

Fiquei zonza, achei que estava todo mundo olhando e me dirigi sem saída ao bar. Romano havia pedido contreau. Sentei-me educada, mas sem pedir licença.

— Não costumo beber contreau. Eu disse bebendo logo um gole, nervosa.

— Mas adora.

— O que é que você quer comigo?

— Que você ligue urgentemente pra seu namorado.

— Pra quê?

— Pra que você não possa me enlouquecer de vez. Nem a voce.

— Que pretensioso! Com o seu estilo não corro o risco de enlouquecer, meu filho.

— Se é assim por que não se entendeu com o taxista?

— Meu problema com o táxi foi uma mera questão de mapa, de bússola.

— Sim. E o nosso problema, qual é?

Acabei ficando confusa. Quero mais um contreau. Ele pede e eu começo a falar de minha vinda ao Brasil; desembestei a ocupar o silêncio porque estava morrendo de medo daquela boca. Falei eloqüente e encadeada. Parecia uma corrente de frases. Um tufão. Ele olhava atento minha boca: seus movimentos, as engolidas de saliva que eu dava para me recuperar como um afogado armazenando ar. Eu me demorava nos assuntos que sempre funcionavam como “interessantíssimos”.

Mas o negro Romano veio se aproximando de mim estranhamente e pedindo e dizendo e gemendo um “Dá licença, deusa, dá licença, mulher”... Me beijou. Foi enfiando a rosa língua na minha boca que correspondia. Parecia que ele já me conhecia: meus tempos, meus mínimos intervalos, minhas exigências, minhas en­grenagens. Lambia meus lábios e mordiscava cada um de vez em quando e aí voltava felino e nobre pra dentro da minha boca. Degustava minha língua. Visitava o palácio do palato e pronunciava lá dentro calores de palavras assim: — Quero você, te comer com a mão, minha livre presa, te comer com a mão... ai que tesão.

Daí, todo o meu repertório de respostas prontas virou apenas: Quero, que­ro, quero, quero... Ele dizia no meu ouvido: Você é uma rainha verdadeira, com reinado próprio, com estilo raro... Você é gostosa.

Beijei dessa vez vendo seus lábios marrons avermelhados como um abis­mo bom. Já estava era molhada demais. Vi seu pau por debaixo da mesa furando o surrado jeans. Eu estava de olhos muito abertos. Tinha sempre bei­jado de olhos fechados; quanta coisa perdi de ver, minha nossa! Passei a mão rápida no volume dele. Um volume de Deus! Ele enfiou dois de seus dedos em mim e eu esguichei. Um chuveiro de água no meu vestido e nos dedos dele. Seus dedos me tocavam e eu era um instrumento, um cello íntimo que soava gemidos afinados.

Veio a moça que nos servia incansáveis contreaus e senti que ela também umedecia o interior da costura de seu uniforme de tergal. Com seus dedos no meu dentro, Romano perguntava baixinho: — Quantas palestras dá... por ano, doutora? Eu dizia.., quarenta... cem... dez não sei...

— Não sabe contar, minha mestra? Conta pra mim, minha fêmea?

Eu gemia outra vez na partitura dos dedos dele. Jorrava farta.

— Que água é esta? Trouxe do deserto, santa? E me beijava. Eu cabia o pau dele na minha mão e não sabia mais meu nome. Diz meu nome, diz...

— Lira, Lira, Lira... Ele dizia e eu delirava.

— Vamos sair daqui, meu nêgo. Vamos prum hotel barato com estrela nenhuma.

- Não.

Romano me enfia outra vez os dedos para lambê-los em seguida. Com a segunda mão visita minha bunda, seus segredos e curvas. Morro.

— Vamos meu amor, pagar uma espelunca, onde a gente se misture, onde você me tenha toda. Eu quero.

— Não nêga, tenho outros laços. Entrar em você não vai ter volta. Há encon­tros que se bastam no desejo.

— Mas o desejo já é quase o ato, às vezes pior que o ato. No ponto que estamos o melhor é ir.

— Fique quieta. Vou te falar um poema que acabo de compor e você vai ficar quietinha, comportadinha no “plano americano”, promete?

E me enfiou de novo os dedos úmidos.



— Cheira a tribo a me chamar

gente estrela própria única star

meus dedos se enfiam na ciência

eu Colombo a conquistar a terra

que me endoideceu chafariz nos dedos

eu com medo

de abandonar a capitania certa que sou eu

ai a ciência louca a ciência danada

me chama para amar

não vou não dá.




Eu estava absolutàmente rendida.

— Por que faz isso comigo, de onde você vem bruxo, a que horas compôs esse poema?... como sabia que eu viria? O que quer de mim?

— Não sei. Há gente que se encontra tão sublime, tão completamente encon­trada que essa gente sim, pode partir. Eu nunca agi assim, nunca mandei bilhe­tes nem na adolescência. Nosso encontro Lira, é desses abismais. Podem mover o mundo e movem, por isso sua dose deve ser mínima, eu acho.

— Eu te amo, faz uma hora que te amo, nunca amei tão rápido.

— Eu também. Imagine se a gente tiver mais prazo? O tempo de erupção do vulcão é que determina seu estrago...

— Vamos prum hotel agora, prum lugar onde não haja fotógrafos... uma pensão.

- Não.

E me beijou de novo fundo. Parei o beijo porque achei que se despedia.

— Lira, vamos aproveitar que não temos um ao outro, porque assim não corremos o risco de nos perder.

— É bonita a frase, mas quero você dentro de mim agora. Por que essa racionalidade? Quero ser sua... tem coisa mais simples do que isso?

— Escuta, Lira. Só te querer já ocupa todos os meus espaços. Não há lugar pra você morar em mim agora, porque seu lugar é vasto, seu lugar sou eu todo. Se eu deixar você entrar, vou ter que sair, entende?

Peguei na intimidade dele de novo e joguei minha bolsa sob a mesa. Fui pegá-la e o chupei como se fosse o peito de minha mãe, um picolé, um pirulito, uma lembrança. Fiquei ali protegida pelas longas cortinas que a toalha da mesa formava para nós. Ouvi sua voz para a garçonete:

— Minha querida, traga mais dois contreaus e verifique por mim se minha mulher está passando bem no toalete... está demorando.

E gemeu, ah... ahahah... a garçonete pergunta o que é, e ele responde que sente, às vezes, fortes pontadas no peito. Não será coração? Pergunta a suave moça. Ao que ele responde ofegante e definitivo: é coração.

Voltei do subterrâneo daquele paraíso como quem emerge do fundo do mar achando longe a superfície.

— Ah, meu príncipe, onde está minha compostura?... Enlouqueci!

— Sua compostura...? Vou procurá-la pra voce.

E sumiu ele, sem álibi, por debaixo da mesa. A garçonete traz o contreau e antes que ela falasse, avancei:

— Senhorita, por favor, viu meu homem ir ao toalete? Demorei e ele deve ter ido em minha procura.

— Vi, ela disse. Quero dizer, não sei, ele também perguntou pela senhora... ai, agora estou confusa...! É lindo o amor de vocês, né? Sora desculpe eu falar assim, mas tá todo mundo comentando lá na cozinha da belezura que e ver que o amor existe de verdade. Eu até falei que vou beber essa bebida amanhã com meu noivo. É bem minha folga, sabe?

— É, contreau é muito amoroso, eu disse meio atordoada com a língua dele no meio de mim, no meu negocinho, no centro exato de minha compostura. Sentia a renda da calcinha roçar meus tornozelos e não acreditava em absoluta­mente nada do que estava acontecendo. Gemia muda e minha alma parecia solta de mim. Desprendida, minha alma vagava na vadiaria do bar. A garçonete me assiste como quem vê uma novela no último capítulo.

— Sora desculpa perguntar, mas a sora não é a palestrante? Eu vi no jornal dos estudante seu retrato. Eis dão pra gente todo mês.

— Não, não sou. É minha irmã. Aaaai...!

Eu estava quase gozando.

— Por favor, peça a um colega seu pra entrar lá, veja por que meu marido demora tanto no toalete, estou preocupada porque ele sente muito o coração.

— Ai meu Deus, me entreti aqui, já vou... Sora desculpa, tá?

Ela foi. Debaixo da mesa era uma água só, do gozo dele e do meu. Ele murmurava de lá: — Chove minha deusa, chove mistério, tenho sede...

Eu escutava sua murmurância nítida como se escuta um ator murmurando lá da boca de cena e a gente na última fila como se lhe estivesse ao pé do ouvido.

Aaaaaah... gozei como quem morre e quis uivar no restaurante, na cidade, no mundo. Não pude. Meu restico de razão virou lágrima e explodi caindo a cabeça morta de pensamentos sobre a mesa. Romano retorna do oceano com o rosto encharcado de toda água do mundo. Sua roupa molhada de nosso infinito. Ele não disse mais nada com palavra de se falar com boca. Só beijo que come lágrima. Meu olhar dentro do dele já concordava: fomos feitos mesmo para partir. Partir é pra quem pode. Pra quem fica. Partir é pra quem permanece.

Algum de nós pagou a conta. Alguém dos dois levantou primeiro.

Romano leva Lira até o táxi como quem segue um andor. O bar fica atrás exalado de amor real. Os dois partem inteiros. Cada um com gosto, muito gosto de encontreau na boca. O rosto de Lira na transparência do vidro molhado da janela do carro.

Click.






LUCINDA, Elisa. “Click”. In: Contos de vista. São Paulo, SP: Global, 2004, pp. 112-125.

Essa voz Decepada


*Por Vilmar Alves Ribeiro

Sou esta mulher
desfeita sobre a cama
esta palavra presa
em teus olhos
do companheiro dito malandro
esses sonhos.
De tantas quartas em cinzas
e notas de jurados em jornais
que fica pouco
que gastam todo.
Sou parte desse maltrato
da tua voz submersa
somos dessa notícia
o trágico dilema
de quem ri
à toa à flor
da pele bronzeada
em Ipanema.
Sou esse barraco
à beira da sorte.
Sou esta mulher desfeita
sobre a cama, essa palavra
presa em teus olhos
sou essa voz, decepada
flor, que brota da razão.

* Poema retirado do livro do autor Vá,Vá ver como esses negros cultivam a mandioca, 1981. Rumo Gráfica Editora.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Bateu uma saudade.....


Foto: Marco Pezão

Eterno Curumim - Preto Jota
Como Orfheu
Sinto a sua partida
Lembro de cada palavra
Cada gesto, cada olhar
Sua estrela nunca apagará
Enquanto nessa terra alguém lutar
Não ouço sua voz
Mas dentro de mim pulsa um coração
Que bate em forma de canção
No momento um tanto melancólico
Como chuva no fim de um dia de verão
Olho para o céu e vejo seu sorriso
Nunca o esquecerei era tão menino
Agradeço todo dia por ter tido oportunidade
De conhecer alguém que não tinha vaidade
Aonde estiver penso em você dormindo
Não me acostumo, fazer o que?
A vida tem disso...
Difícil conviver com a verdade
Mas no meu peito tudo é saudade
Sinto falta de ter dito, o que não disse
Passou na minha vida como cometa
Riscou no meu céu
E transformou-se na maior estrela
Aquela que mais brilha no alto
A lágrima dos meus olhos secou
E ficou uma ferida aberta
Dessa que não tem cura e nem cicatriza
Te guardarei dentro de mim
Enquanto na terra houver flores de jasmim
Você será um eterno curumim.


(Dedicada a amizade sincera do Anjo 45 - Preto Jota do Grupo de Rap Sabedoria de Vida - z/s de São Paulo, vítima da violência urbana de nossa sociedade, deixou muita saudade e muita lição de humildade. Muitos não entendem o valor de um amigo e vc era um cara que prezava a amizade, seremos amigos até o meu fim, assim como vc foi meu amigo até o seu último suspiro. Fica na paz guerreiro!).

Seminário Violência Racial - Dia 09/09/2009 (quarta), a partir ds 9h.