quinta-feira, 18 de junho de 2009

África e Sertão: à maneira de um Manifesto.


Ontem fui assistir ao espetáculo Mercadorias e Futuro, com o Lirinha no Projeto Cultural Antitodo - Seminário Internacional de Ações Culturais em Zona de Conflito e a abertura foi este lindo poema da poeta pernambucana Micheliny Verunschk. confira e me digam o que acham. Aproveitem para assistir as peças e os seminários.

África e Sertão: à Maneira de um Manifesto
Por Micheliny Verunschk


Tomamos a África pela mão direita e o Sertão pela mão esquerda.
Ela, nossa mãe desconhecida.
Ele, nosso pai imaginário.

Dos berberes e soninkés é nossa carne de areia.
Dos vaqueiros encourados é nosso sangue mais denso que o real.

Nossa mãe multiplica sua face no sexo das meninas violadas, infibuladas,
prostituídas.

Nosso pai multiplica seu coração no peito dos meninos abandonados,
alcoolizados, à margem da margem de um rio seco e pedregoso ao qual chamamos
de História.

Nossa mãe tem os olhos do céu de Moçambique.

Nosso pai tem a pele do poente do Moxotó.

Declaramos que nossa mãe está na fala, no sabor, na dança e na música que
nos move a alma.

Declaramos que ela é múltipla e única, terrível e bela.

Mas não a conhecemos senão pela História, que é sempre parcial, pelas
estatísticas que são sempre sem rosto ou peso de carne humana, pelo olho
fotográfico que ousa nos dar a cara do nosso tempo mas que nem sempre revela
que um ponto de vista pode ser também uma trave que nos impede a visão.

Declaramos que nosso pai está no esqueleto de concreto de toda cidade desse
país, que sua fala acentuada é a marca de nossa memória, que sua coragem é o
território ao qual ainda não nos aventuramos por completo.

Nosso pai e seu rosto ainda por se construir. Nosso pai e seus mitos por se
confirmar.

Nossa mãe e nosso pai ainda mal contados, mal traçados, e ainda que amados,
tão mal-amados.

Nossa mãe e nosso pai, tanto sol, tanta escuridão.

África e Sertão, de mãos dadas.

Tão pobres. Tão ricos.

Tão distantes. Tão unidos.


Na mina que explode, no vírus que explode, na fome que explode.

Na beleza que é potência, na vastidão que é potência, no vir-a ser que é
potência.

África e Sertão.

Minha mãe, meu pai.

Tua mãe, teu pai.

Nossa mãe, nosso pai.

África e Sertão.

Terra prometida.

Colo desejado.

Expectativa.


Acesse:
http://www.itaucultural.org.br/antidoto2009/

Um comentário:

black music disse...

Salve guerreira, valeu por trazer um pouquinho do evento que infelizmente perdi. Por se tratar de um assunto de meu interece e que esta no meu sangue na minha raiz. Quando um casal de retirantes la do sertão da paraiba em busca de melhores condições de se viver, que por Deus se conheceram e se uniram nessa selva de pedras, em pleno desenvolvimento, e me criaram com tanto esforço. abraços e parabens por mais essa postagem!!! guerreiros de fé!!!