sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Mídia Étnica pauta participação nas políticas públicas de Comunicação e Cultura

Clarissa Dutra


Entre os dias 17 e 19 de setembro de 2012, comunicadores negras(os) e indígenas de várias regiões do país participaram do Seminário Nacional de Comunicação para a Cultura no Rio de Janeiro. O encontro teve como objetivo contribuir na proposição de ações que resultarão no Programa Comunica Diversidade, do Ministério da Cultura.

Dentre as deliberações do evento estão: a criação de Audiência Pública no Congresso Nacional, proposta pela Deputada Federal Luiza Erundina (PSB-SP), para discutir a participação dos recursos publicitários estatais a veículos da mídia étnica; a realização de um Encontro Nacional em dezembro, com apoio da Fundação Cultural Palmares; e a realização de uma Roda de Conversa sobre esse tema, construída junto a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir).

A luta pela participação negra na comunicação é histórica. Desde a imprensa negra no século 19 até os dias de hoje, dezenas de veículos se dedicam diariamente a cobrirem a cultura e história dos povo afro-brasileiro, porém nunca tiveram uma política pública de investimento e fomento, o que já fez com que vários veículos fechassem as portas.

Apesar de marcos legais, como o Estatuto da Igualdade Racial, as Conferências de Cultura e Comunicação e tratados internacionais, como o de Durban, tratarem do tema da participação negra e indígenas na mídia, as organizações desse segmento da comunicação ainda são invisíveis para órgãos como o Ministério das Comunicações e as empresas estatais que anunciam, em sua maioria, em grande veículos.  Dados da Folha de São Paulo, divulgados nessa semana, mostram que 70% das verbas publicitárias do Governo Federal estão concentradas nos dez maiores grupos de comunicação do Brasil. O encontro foi uma oportunidade para que essas organizações da mídia étnica colocassem suas demandas para o Ministério da Cultura que acaba de nomear sua nova gestora, a ministra Marta Suplicy (PT-SP).


Segue abaixo texto com reivindicações do segmento.

O Brasil precisa de um novo marco regulatório para as comunicações, que respeite os Direitos Humanos e o cumprimento do capítulo VI do Estatuto da Igualdade Racial – Dos Meios de Comunicação – e conforme preconizado em acordos internacionais como a Convenção da Diversidade Cultural, Conferência de Durban, Agenda 21 da Cultura, possibilitando ações afirmativas para que mulheres, negras(os) e indígenas possam produzir e gerenciar veículos de comunicação, sejam eles comunitários ou de grande porte.

Que a Secretaria de Comunicação da Presidência da República replaneje a distribuição de verbas publicitárias para fortalecer e fomentar a mídia étnica que cumpre um papel social importante, dando visibilidade a uma população que não tem espaço na chamada “grande mídia”, comprometendo o reconhecimento das identidades brasileiras.

Que a discussão e implantação sobre a TV e Rádio Digital no Brasil precisa ter a efetiva participação das populações afro-brasileiras e indígenas, em especial, a ocupação dos Canais Cidadania e Cultura.

Que cabe ao Ministério da Cultura fomentar a criação de editais regulares para produção e distribuição de conteúdos produzidos pelo movimento social negro e por povos e comunidades tradicionais de terreiros, indígenas e quilombolas.

Por fim, que é necessário um programa de fomento à comunicação livre, comunitária e popular em parceria com a sociedade civil para treinamento e qualificação de cidadãos em novas tecnologias de comunicação, leitura crítica da mídia e empreendedorismo na comunicação.

Diversidade étnico-racial deve ser, portanto, essencial na elaboração de qualquer política pública de comunicação e cultura no Brasil.



Assinam:

Portal Áfricas – SP

Instituto Mídia Étnica/Portal Correio Nagô – BA

Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial – Cojira-Rio/Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro

Rádio Amnésia – Ponto de Cultura PE

Agenda Cultural da Periferia/ Ação Educativa – SP

Instituto Nangetu/ Ponto de Mídia Livre- PA

Ponto de Cultura Coco de Umbigada – PE

Raízes Históricas Indígenas – Ponto de Cultura – RJ

Rede de Cultura Digital Indígena –RJ

Blog Participação Cidadã da Cooperação Social da Ensp/Fiocruz

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Dia 11 - Akins Kinté no Programa Agenda da Periferia na Rádio Heliópolis.

Um prazer muito grande receber o poeta, cineasta, arte educador,amigo, parceiro, irmão, no Programa Agenda da Periferia na Rádio Heliópolis...Ele que é conhecido nas ruas pela sua malemolência e ritmo poético lança este mês o seu novo documentário  "Zeca  o Poeta da Casa Verde" , compositor de samba contemporâneo de Geraldo Filme, que teve músicas consagradas na Escola de Samba Rosas de Ouro. O documentarista e idealizador Akins Kintê  é um semeador de sonhos e tem uma memória incrível, e esse filme demonstra que ele quer compartilha suas memórias, pois um compositor como Zeca da Casa Verde precisa ser lembrado, estudando e principalmente sentido. Confira neste link um pouco dessa história:
http://akinskinte.blogspot.com.br/2012/08/zeca-o-poeta-da-casa-verde.html


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Antes que as águas da cabaça sequem...

Por Elisabete Aguiar


Dedicado às mulheres pretas rastas

Ao longe,sob a luz do pôr-do-sol, carregando uma enorme cabaça, vinha caminhando uma mulher.
E na outra margem seu povo clamando:
- Venha antes que as águas da cabaça sequem...

Zahra entrou na cachoeira de corpo inteiro, abaixou-se e cobriu todo o rosto nas sagradas águas, como se renascesse no precioso líquido. Seus dreads acobreados,refletidos na luz do astro rei,bailando, lembravam pavios acessos ou uma flor vermelha.
- Como é maravilhoso esse infinito! Rainha das Águas, abençoa essa minha existência!

Houve uma grande seca no planeta Terra, os búzios revelaram que as últimas águas doces estavam às margens da Represa Billings, aquela construída com o Rio das Pedras no ano de 1949 e que recebeu todas as Águas do Alto do Tietê, na região do Grajaú, local mais populoso da capital, na zona Sul de São Paulo...

Fazia dez anos, que Zahra decidiu dredar o cabelo, no início, achou estranho. Não gostou da primeira, nem da segunda e nem da terceira impressão.Não ficouparecido com os dreads de Rita Marley, Alice Walker, Jurema Werneck. Não estava bonito. Desaprovado no seu quesito de belo. Mas decidiu se acostumar.
Passeava pelas ruas como se estivesse usando um belo cocar, com toda a sua magnitude, e pressentia os olhares atravessados questionando a sua escolha. Teve momentos que essas flechas de escárnio atingiram, em cheio,sua estima tão bem construída. Zahra acariciava os dreads, era sua resposta imediata ao mundo,seu corpo um instrumento ideológico e pensava: “não posso convencer a ninguém,se eu sou a negação da minha beleza.”
Não era apenas a estética, mas uma afronta,um jeito de embaraçar o mundo.

Dentro de uma enorme cabaça furada, continha os últimos litros de água do planeta, que funcionava como ampulheta, quanto mais tempo demorava, menos desse precioso líquido restava.

Outro dia na fila do supermercado com um shampoo fragrância Aloe Vera, uma mulher questionou-a:
- Como que você lava isso aí?
- Não entendi.
- Como você lava...? É de lã?
-Hum?!Como você lava o seu cabelo? Devolveu Zahra.
-Eu coloco shampoo, massageioe enxáguo...
- Então, do mesmo jeito que você lava o seu!
- Mas como você faz? Como seca? Não apodrece?
-Do mesmo jeito que lavava antes. Falou Zahra, com as palavras raspando entre os dentes.
- Ah, mas não fica fedido?
- (...)
Os questionamentos prosseguiam...
- Nossa! Você estragou o seu cabelo? O que você fez?
Quando a conversa desfechava na contramão, Zahratornava-se séria, ao ponto, que a outra pessoa,atrevia-se ao consertoda frase mal-dita.
Não existia nada mais prazeroso, do que a sua continuidade nas palavras da sua pequena princesa.  Quando Nina, acariciava seus dreads e os contabilizava, dizendo: “Mainha,quelô meu cabelo seja igualzinho ao seu.”.
-Meu brigadeirinho, quando você tiver cinco anos, te levo para Tia Yayá fazer igualzinho. Você espera?
- Hum...Ela vai fazê do memo jeito? Não esperou nem que Zahra concluísse. Nina saiu correndo do seu colo e foi em direção ao pai, gritando “Paiêê!!!Eu vou ter dread igual o da minha mamãe”.

Ela estava procurando água como todos os moradores do planeta, antes de sair perdendo suas energias, sentiu que deveria procurar a sua Ialorixá.
Os búzios lhe revelaram que encontraria o que estava procurando, mas teria que usar o bem mais precioso em seu corpo, para conseguir trazer as últimas águas...

Quando Zahratinha 25 anos, teve um sonho estranho, em uma fase que estava em dilema com o cabelo, desproporcional ao mundo, sentia-se fora da redoma da beleza.
Gastava tempo e não se sentia bem, passava horas dos seus finais de semanas escovando os seus cachos e um dia antes deste sonho pesquisando na internet encontrou o texto da escritora Alice Walker descrevendo quando dredou o cabelo aos 40 anos, e dizia: “Descobri que ele, na verdade, tinha uma natureza própria. Ele jamais pensava em ficar deitado. Ele procurava espaços cada vez maiores, mais luz, mais dele mesmo. Ele adorava ser lavado.”
Essa narrativaprovocou em Zahra um choro e uma reflexão. Sentia-se opressora do seu próprio cabelo e não conseguiu concluir a leitura. Ela não parava de pensar na sua vida,todas as fases, ela e seu cabelo indomável, sim ele era livre,ela que sempre quis engaiolá-lo.
Consumida nas suas responsabilidades como designer, passou o dia e a noite e não pensou mais no assunto. No outro dia, realizou seus compromissos sem nenhum inconveniente. Mas durante a noite,super cansada,adormeceu...
E sonhou...

Sentia muita sede, seus pés descalços, pisavam em pedregulhos, que os feria. Ela não podia fraquejar. Encontrou nas margens da Billings, uma enorme cabaça com alguns litros de água, tinha um furo, pensoucomo  faria para interromper a água que se esvaia. Sem êxito tentou fechar com uma folha, essa se rompeu. Tentou com uma pedrinha, essa foi jogava ao longe. Lembrou que as mulheres que a antecederam carregavam potes em suas cabeças e outras sementes. E teve uma ideia!
Resolveu usar um dos dreads enrolando como uma bolinha para tampar o furo, ao mesmo tempo em que erguia a cabaça. Se molhou um pouco, mas teve êxito...

Zahra acordou banhada, como se o sonho tivesse sido real, descobriu que o copo com água que deixara na cabeceira da cama, caiu e a molhou...
Ela decidiu que iria procurar sua amiga Yayá para fazer seus dreads, ligou o computador e imprimiu aquele mesmo texto e foi lendo no ônibus...
 “O teto no alto do meu cérebro abriu-se; mais uma vez minha mente (e meu espírito) podia sair de dentro de mim. Eu não estaria mais presa à imobilidade inquieta, eu continuaria a crescer. A planta estava acima do solo. Essa foi à dádiva do meu crescimento”.

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- Fico muito emocionada de receber vocês! Quer dizer que a Nina também irá dredar os cabelos que nem os da mãe? Eu nunca vou esquecer como você chorava naquele sábado de primavera, chegou aqui toda descabelada com um texto na mão. Hoje vem com essa flor! Me sinto honrada de fazer as mulheres dessa família feliz. Mas,ainda não entendi, porque vieram tão cedo?
- Yayá,hoje, eu e Nina, depois que sairmos daqui, vamos para o litoral abençoar nossos dreads, antes que as águas da cabaça sequem!

***Texto publicado na Antologia Cadernos Negros 34 - Contos Afro-Brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 2011.