sábado, 30 de outubro de 2010

Reportagem Afetiva - meu déjá vu


“Vou te falar, lembra
De tudo que conseguimos ser
Casos pra contar, rir e chorar
Isso não pode se perder
Independente do caminho diretriz
Ser frutos ligados à raiz
É o que nos fará vencer
Isso não pode se perder, em você.”

Emicida, Isso não pode se perder, Mixtape Emicidio, 2010

(Sem imagens, aprendi com Alice Walker a fazer imagens afetivas, com os sentimentos e impressas no coração).

Lançamento da mixtape Emídicio, uma noite de sábado...uma noite quente e aparentemente tranqüila. Pinheiros: uma fila enorme, fui vendo cada rosto que passava pelos meus olhos. O público do Hip Hop não são mais as mesmas pessoas, pouquíssimos rostos que eu conhecia, me senti sozinha. Sempre fui a show de rap com um monte de pessoas, e quando não ia junto, as encontrava no evento. Foi uma experiência diferente, sozinha pude refletir sobre várias mudanças do tempo...

Já se passaram 14 anos que conheço o Hip Hop, foi naquele ano de 1996, eu com meus 13 anos, mas demorou um pouco para refletir o que era o Hip Hop. Só em meados de 1999 que me lembro ativa com escolhas próprias, com músicas que me identificava. Aprendi o que meu coração reconhecia como música.

Sim, estas reflexões vieram à tona numa enorme fila de pessoas querendo ouvir o mesmo som que eu. A minha surpresa é que o público se renovou, não é disso que eu estou! Se você pensou “fazendo rap só para brancos e de classes médias e altas”, ai que você se engana, eu vi rostos de jovens negros, tão sonhadores como o meu, no primeiro show de rap que fui de grande peso “ Naughty by nature”, observei os presentes com a mesma curiosidade. Desde a fila fui tomada por este sentido. Por que estou sendo tão redundante com esta fila longa?É que ali foi o meu déjà vu (algo já visto)...sim, eu reconheci aquela fila, aquelas pessoas eram tão sonhadores como eu...

Reportagem afetiva não tem ordem cronológica têm sentimentos e reações que marcam...esta atividade foi um divã sobre o que o hip hop representa na minha vida...
Não, não sou mais uma discípula... nem aquelas pessoas eram seguidoras...talvez elas já passaram daquela fase que se crê em “mitos do Hip Hop” “ os heróis das ruas que criamos”, sim criamos nossos mitos, nossos revolucionários..nossa, eita palavrinha prostituida...todos revolucionários..!!!É eu também “Mjiba” – Jovem Mulher Revolucionária, mulheres que pegaram em armas para a Independência do Zimbábue...

Eu sou idealista, estou esperando o momento... Poder para o povo preto, Poder para o povo, poder para a periferia, poder ser pessoas, poder ser pessoas é isso que estou esperando que os pretos, as pretas possam ser pessoas, só pessoas...Sim, o Hip Hop me fez ser preta para se enxergar como pessoa...tem alguém que disse “ só quando me descubro escrava é que me liberto”...Sim, Hip Hop me deu auto-estima de enegrecer a cada dia, trançar ou dredar os cabelos e não me sentir ridícula com os olhares que recebo na rua (Onde ela pensa que vai com aquele cabelo?)

Meu amigo Uvanderson, meu parceiro numa formação de professores em Manuas e Cuiabá (sobre lei 10.639 – ensino de história afro-brasileira nas escolas) em uma discussão sobre ações afirmativas, respondendo a questionamentos contrários a essa medida...disse: “ Essa é a única vez que se tem vantagem em ser preto no Brasil”
Nunca tinha refletido sobre isso...apesar das múltiplas facetas que já aprendi e abordei a questão racial...é uma escolha difícil se aceitar como preto como preta, não é fácil. Tem um refrão do Consciência Humana que gosto muito “ Se a mente reprimida resolver se rebelar, não tem para o governo e nem para a polícia mititar”...

Oxe, porque esta menina maluca estava falando de show de mixtape foi parar em questões raciais, ela deve ser no mínimo maluco, não sabe escrever, não sabe do que está falando...cadê a coerência? Cadê a linha de raciocínio? Avisei desde o começo, reportagem afetiva, escrevo o que sinto e o que senti...ou o que ficou registrado do que senti...

Durante o show um filme, eu e o Hip Hop de mãos dadas, sempre de mãos dadas, rap nacional tocando, só as nossas clássicas, eu fui interrompida várias vezes na minha reflexão, porque as pessoas que estavam ali cantava todas as músicas como se os cantores estivessem no palco, mas era aquele momento que é só o dj, a música e o público, não acho que era aquele momento que a música sai desfilando com seu salto alto ou tênis mesmo,com a sua melhor roupa, todos a admiram...é foi neste momento..sabe aquele perfume delicioso...Humm!!! Sentiu?

Ah, e literalmente estava só eu e o Hip Hop assim como não encontrei companhia na fila, durante o evento estive sozinha..não procurei ninguém..no final encontrei dois amigos...e fiz uma nova amiga que esta fazendo tcc sobre Hip Hop..tão idealista quanto eu...descobriu sua habilidade porque o Hip Hop sempre nos cobrou o que você esta fazendo para mudar a sua realidade? Eu sempre vi como uma cobrança, que eu estou fazendo questão de pagar...rs...

(Em falar em realidade...hoje fui no samba da minha rua tava uma disputa entre samba e os funks carioca no mesmo espaço...fiquei pensando que realidade é esta agora que o Hip Hop não esta mencionando...de que realidade falamos? Que verdades inabaláveis foram estas que criamos que são indestrutíveis? Percebi que “criei” a minha realidade, a minha forma de lazer, a minha forma de si divertir que não é a mesma das pessoas da minha rua, não estou falando de qualidade, nem de melhor e nem pior, estou falando de diferentes olhares, não é porque sou da periferia que tenho um tipo de pensamento, não porque sou preta que tenho outro, são escolhas e recortes...)
Era uma reportagem afetiva, esta parecendo um devaneio...é o horário já permite este tal sonambolismo...são 4h43 horário de verão..e ainda ouço a pancada do funk que vem lá da minha rua....

Bom, escolhi essa forma de escrever porque tirei algumas fotografias:

1- Aquele é Pepeu cantando junto com Emicida, depois de 16 anos que não rima para o público do hip Hop
2- Este é Kl Jay entregando uma mixtape de ouro para o Emicida, por ter vendido um milhão de cópias do primeiro trabalho.
3- Aquela é a mãe do Emicida cantando a música Triunfo (será que era mesmo, essa música?)
4- Essa foto eu tirei com os pés levantados para pegar todo o público cantando as músicas, numa só voz, no mesmo ritmo em que o coração discoteca.
5- Aquela ali no canto, sou eu, olhando apaixonadamente para o Hip Hop, dizendo silenciosamente o quanto eu ainda o amo...e o quanto eu me melhorei...
Obs: Para quem conseguiu ler até o final, eu agradeço e que tenha um bom dia, uma boa tarde, uma boa noite. Para todos aqueles que não leram eu agradeço da mesma forma.

Paz e Resistência
Elizandra Souza


Refrão: Trilha deste texto:

“Vou te falar, lembra
De tudo que conseguimos ser
Casos pra contar, rir e chorar
Isso não pode se perder
Independente do caminho diretriz
Ser frutos ligados à raiz
É o que nos fará vencer
Isso não pode se perder, em você.”
Emicida, Isso não pode se perder, Mixtape Emicidio, 2010

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